As Bruxas do Oriente (Les Sorcières de l’Orient), França, 2021, 100 min. Direção e roteiro de Julien Faraut, montagem de Andrei Bogdanov.
Exibido no Festival de Roterdã e no IndieLisboa.
Visto durante a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo durante a Perspectiva Internacional
Sinopse
O documentário faz uma viagem para apresentar as ex-jogadoras da seleção de vôlei feminino japonesa. Agora já na casa dos 70 anos de idade, elas eram conhecidas como Bruxas do Oriente, por causa de seus poderes aparentemente sobrenaturais nas quadras. Da formação do time no final da década de 1950 como uma equipe de trabalhadoras de uma fábrica têxtil até o triunfo nos Jogos Olímpicos de 1964, em Tóquio, as memórias das ex-atletas se transformam em uma narrativa em que fatos e imaginação caminham juntos.
Crítica de “As Bruxas do Oriente”
O diretor francês Julien Faraut já é conhecido da Mostra SP onde em 2018 participou com seu ensaio fílmico “John Mcenroe: In the Realm of Perfection” sobre a lenda do tênis John McEnroe, desta vez ele nos apresenta mais um documentário de esportes, seguindo através de filmagens documentais, animação, efeitos e música eletrônica o time Nichibo Kaizuka, um time feminino de vôlei de trabalhadoras de uma fábrica têxtil até a primeira medalha de ouro do esporte nas Olimpíadas de 1964.
Iniciando com um encontro entre as jogadoras, que agora estão nos seus 70 anos, a narrativa que segue alterna entre passado e presente mostrando o dia a dia das senhoras com sua locução em off, de conversas por telefone e acompanhamento em aulas de vôlei elas nos contam como era duro o treino que tinham quando jovens. Sem tentar forçar uma conversa de como era e como está o esporte hoje em dia, nos é permitido ver de forma dinâmica os acontecimentos sem a perigosa narrativa de que “antigamente que era bom”, mas ainda falado com orgulho dos bons e maus momentos.
Misturando diversas linguagens dentro do documentário, a forma singular de montagem é inesperada e bem-vinda, mesclando animações, música eletrônica e filmagens restauradas o documentário possui o mérito de mostrar que dá sim para sair da caixinha expositiva frequentemente vista em outros documentários.
A inserção de cenas de jogos com imagens e efeitos de anime mantém “As Bruxas do Oriente” fluído, sendo uma bela jogada parra introduzir que elas são responsáveis pelos animes de esporte que vemos hoje. Animes como Haikyul, Kuroko No Basket e Prince of Tennis possuem características iniciadas em “Ataque No. 1” de Chikako Urano que foi inspirado no time em 1968, contendo a resiliência, dureza do treinamento e a necessidade de uma “arma secreta” como fator decisivo para ganhar.
A estética do filme brinca também com filmes policiais japoneses ao exibir de forma de “arquivo vivo” a origem dos apelidos de cada integrante, que muitas vezes era só para economiza tempo, mas a forma divertida de exibir consegue prender a atenção nesse momento um tanto “banal”. E arquivo vivo se faz da vida dessas mulheres também, ao mesmo tempo em que deveriam trabalhar, treinar e competir, o país estava saindo da pior guerra que assolou a humanidade, em determinado momento é dito que somente duas das integrantes possuíam ambos os pais enquanto as outras se tornaram órfãs e seguiam os dizerem do treinar que tinha a idade que seus pais teriam, e este treinado também passava pelo seu próprio momento ao conseguir sair vivo da guerra junto com seu batalhão sem baixas. Este momento na história tornou parte do viver.
Toda a dureza do treino rendeu ao time o título mundial e a pressão de representar o Japão nas Olimpíadas não só no ano em que o esporte entrou como oficial, mas também como uma forma de mostrar ao mundo a reconstrução do Japão pós-guerra, bem como criar uma nova identidade para o país. As jovens se viram diante da maior pressão já vista, representar seu país neste contexto histórico e que teria a sua primeira transmissão televisionada. As expectativas para as Olimpíadas de 64 eram altas e simbólicas, tendo a sua tocha acessa pelo atleta Yoshinori Sakai, também conhecido por ter nascido em Hiroshima no dia do ataque da bomba atômica.
Assim como na final do mundial de vôlei, o Japão competiu na final das Olimpíadas contra a URSS. Vemos boa parte dos sets que são jogados com toda a energia e força de vontade de ambos os lados, mudando entre imagem documental com animação é criado ali a tensão vivida no momento. A final contra a URSS valendo o ouro foi exibido para cinco canais, e como expectadores somos convidados a assistir os melhores momentos.
Pode-se dizer que as Olímpiadas foram o auge do time, que em 1966 após 258 vitórias consecutivas sofre uma derrota de 3 sets a 2 e decide se aposentar, a vida “civil” acaba por ser mostrar mais fácil depois de tantos anos sob a forte liderança do treinador Hirobumi Daimatsu. O nome “As Bruxas do Oriente” foi dado pela imprensa internacional pra tentar explicar o estilo de jogo incomparável destas mulheres que mais pareciam ter poderes mágicos, e o filme consegue expressar em sua totalidade essa magia contida em cada uma delas.
Um dos favoritos do ano.
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