[44° Mostra SP] Mosquito – Portugal na guerra

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Sinopse

Zacarias, um jovem português de 17 anos, sonha em viver grandes aventuras. Por isso, ele se alista no Exército durante a Primeira Guerra Mundial. É enviado a Moçambique, na África, com a missão de defender a colônia portuguesa da invasão alemã. Zacarias, porém, contrai malária e é deixado para trás quando seu pelotão segue rumo ao front de batalha. O rapaz não se dá por vencido e parte, sozinho, para alcançar o esquadrão. Ainda sofrendo os efeitos da enfermidade, ele passa a ter dificuldade em distinguir a realidade das alucinações que vem tendo. Em sua jornada, o garoto encontra —ou acredita encontrar— animais selvagens, desertores alemães e colonos perdidos. O roteiro de Mosquito é baseado na história real do avô do diretor, que foi um dos soldados mandados a Moçambique na guerra.

Exibido no Festival de Roterdã, “Mosquito” faz parte da Competição de Novos Diretores. Com direção de João Nuno Pinto, roteiro de Fernanda Polacow e Gonçalo Waddington, e com João Nunes Monteiro, Sebastian Jehkul, Filipe Duarte, Josefina Massango e Miguel Moreira no elenco.

Crítica

O longa acompanha o jovem Zacarias, um rapaz de 17 anos que se alista no exército português em busca da glória da guerra, só não esperava ser enviado à um posto em Moçambique junto com ladrões e assassinos. “Mosquito” foi inspirado nas memórias do avô do diretor e conta a história em meio a alucinações e muito colonialismo.

Ver a Primeira Guerra Mundial pelos olhos dos portugueses é, sem dúvidas, uma novidade. Seguindo o caminho traçado do “1917” de Sam Mendes, em “Mosquito” também acompanhamos um soldado em uma longa cena durante o primeiro ato. Sua sede por sangue e glória é ridicularizada pelos seus superiores já velhos de guerra, e questões como a morte ou a rendição são expostas durante a jornada do garoto que está sendo acompanhado por dois negros habitantes de Moçambique mas de tribos diferentes.

Passamos o tempo todo em um filme de guerra em que não há guerra, ou melhor, não há guerra física somente a moral. Zacarias é atormentado diversas vezes pelas ironias do destino, seja em minimizar a origem de seus companheiros de viagem para logo em seguida ser minimizado ao notar sua própria impotência mesmo sendo português, seja em se tornar um escravo de uma tribo logo após ver os homens acorrentados para serem vendidos, as consequências são rápida mas nunca há uma mudança em caráter social do rapaz que continua até o ultimo momento a separar o ser branco e português que é dos outros humanos com quem encontra no caminho.

O filme é linear durante seu primeiro ato e quase que em primeira pessoa ao acompanharmos Zacarias sempre por uma câmera intimista perto ou pelas costas do ator, a partir do segundo ato a loucura caleidoscópica começa com diversos ângulos de câmera se misturando enquanto vamos perdendo a noção do que é presente, passado ou futuro, algo surreal que lembra “Apocalypse Now”. A loucura da solidão misturado a insolação e a malária (Cuja picada é a resposta do nome do filme) transforma o filme que tinha uma proposta até que simples em algo beirando o fantástico.

O único objeto em cena que podemos confiar são os sapatos pois o seu estado nos informa em que momento estamos, a única certeza é de que a viagem durou três semanas na África, os sapatos tem importante representação de quem Zacarias se vê como pessoa, ao finalmente se estabelecer na tribo que o capturou ele começa a ficar descalço já que se sente seguro, na selva ainda descalço ele demonstra um lado animalesco, e volta a usar sapatos somente quando captura um alemão como prisioneiro, voltando a sua essência “militar-civilizado”.

Acredito fielmente que não existem mais histórias a serem contadas de forma inédita sobre as duas grandes guerras e que qualquer forma de tentar demonstrar a humanidade seria algo maquiavelista, em “1917” tivemos a história de um soldado que tinha de cumprir uma missão e cumpriu, aqui em “Mosquito” cuja a premissa parecia ser igual vemos na realidade um filme que retrata o colonialismo português na África e suas consequências genocidas em cima das tribos e culturas. Ao bater no peito gritando que é branco e quer ver o chefe homem para as mulheres negras que o escravizam, Zacarias está nada mais do que agindo como um soldado que ignora que até um dia atrás diversos homens foram capturados de forma ilegal para serem vendidos. Essa denúncia da incompreensão são resultados de anos de extermínio até que eles se torne algo corriqueiro para aqueles que o fazem, essa denuncia é o que torna este filme algo inédito e digno de ser assistido.

“Mosquito” é um filme de memórias e sobre memórias, um filme que expõe aquilo que hoje muitos países querem esquecer como a escravidão e assassinatos em massa, uma história que não se deve nunca passar pano ou embelezar.

Carateca, amante de cinema, revisora e tradutora de inglês e italiano. Amo como minha profissão me conecta aos meus hobbies e com o FilmeSP conecto as pessoas aos festivais de cinema que acontecem em SP mas que são dificilmente divulgados.

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